quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Preguiçoso Quem, Cara Pálida?

Preguiçoso Quem, Cara Pálida?

Luis Fernando Pereira

Pagãos, indolentes e pouco afeitos ao trabalho: era assim que os colonizadores viam os índios. Séculos depois, alguns preconceitos permanecem

Padre Antônio Vieira (1608-1697) ressaltava nos nativos brasileiros a tendência à ociosidade, não sendo o trabalho cotidiano e voluntário parte das suas vidas. Os colonizadores tentavam compreender o indígena usando como parâmetros a cultura e a visão de mundo difundidas na Europa, como se estas fossem um padrão universal. Ao contrário do que pensavam os europeus, religião, direito, poder, propriedade, cultura e trabalho não são temas universais, encontrados aqui e em outras partes.

A indolência dos indígenas brasileiros se revelou um poderoso estereótipo - ainda hoje muito difundido -, gerado por um absoluto desconhecimento do modo de vida dos nativos. Uma das origens do mito do índio preguiçoso reside na impressão errada que os europeus tinham da vida desses povos no Novo Mundo, associada a imagem do paraíso bíblico perdido. Acreditava-se que, habitando florestas fartas, que lhes ofereciam ao alcance das mãos os mais deliciosos frutos, os índios teriam que fazer muito pouco esforço em seu cotidiano.

No século XVIII, os povos indígenas passaram a ser vistos como representantes de uma era primitiva da humanidade e tornaram-se objeto de estudo para a observação de leis evolucionistas. Na época, o passado era cada vez mais associado a um estado de preguiça intelectual e indefinição entre coisas e homens - entre natureza e cultura. Já o futuro, no mundo ocidental, representaria o desenvolvimento e a evolução do trabalho e das ciências, o que afastaria os homens das antigas superstições. Aprisionados em um tempo longínquo e primitivo, os índios fariam parte desse passado habitado por homens preguiçosos e atrasados.

Este raciocínio persiste ainda hoje na sociedade brasileira, em argumentações que defendem a exploração de recursos em terras indígenas. Um exemplo recente é a contenda envolvendo os índios autodenominados tupiniquins e a fábrica de celulose Aracruz, no Espírito Santo, onde o aparente “imobilismo" de uma minoria indígena vem sendo criticado por se contrapor a necessidade inevitável de progresso da maior parte da sociedade.

De modo geral, as sociedades indígenas se organizam para garantir uma qualidade satisfatória de vida a maior parte do grupo. A relação com parentes e afins é central e esta estreitamente vinculada as atividades econômicas e aos grupos de trabalho. Através dessas relações são fixados meios de troca, reciprocidade e obrigações.

Nas sociedades indígenas existem atividades específicas para homens e mulheres, outras feitas pelos casais e outras restritas a determinadas idades. As técnicas para a produção são compartilhadas e os frutos do trabalho são também distribuídos para aqueles que estão dentro dos círculos de relações. Por meio do trabalho, os membros do grupo se juntam e constroem relações. Ao contrário do Ocidente, onde a máxima reza que o trabalho deve ser deixado afastado do mundo familiar, entre os ameríndios o trabalho constitui esta vida familiar.

O choque dos diferentes sistemas de produção entre brancos e índios - se torna mais evidente nas tentativas de estabelecimento da escravidão indígena no Brasil. Apesar do curto período legal (entre 1500 a 1570), persistiram formas de coerção de trabalho indígena, tanto nos engenhos de açúcar no Nordeste como na Amazônia, onde a escravatura africana não teve penetração. A preocupação de tornar os índios produtivos de acordo com padrões europeus sempre conduziu os esforços de contato, tanto na visão da distante metrópole quanto na dos colonos.

O Diretório dos Índios de 1755 (legislação criada pelo rei português D. Jose I) estipulava o trabalho nos moldes ocidentais, a imposição da língua portuguesa e a indução ao amor pela propriedade como uma forma de tornar os indígenas súditos verdadeiros da Coroa. Mesmo com a Independência (1822) e a República (1889), a mentalidade muda lentamente: a princípio ignorados no Império, os índios brasileiros só começam a receber alguma atenção do Estado depois de 1908, quando o Brasil é denunciado em Viena por massacrar índios, no XVI Congresso dos Americanistas. Isto levou a criação, em 1910, do Serviço Proteção aos Índios e Localização de trabalhadores Nacionais, órgão do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Os esforços do governo visavam transformá-los em “reais” trabalhadores, por meio de um processo de integração gradativa à sociedade nacional garantido inicialmente pela proteção às terras, como era defendido pelos positivistas desde 1894. O Código Civil de 1916 atestava a “incapacidade relativa" dos “silvícolas”, que estariam na mesma situação legal dos “pródigos" e das crianças.

A necessidade de transfigurar o indígena em branco e forçá-lo a integrar-se à nossa sociedade e hoje um discurso totalmente ultrapassado. Agora se sabe que há no mundo uma imensa diversidade de formas de produção, trabalho, organização social e constituição do saber - todas legítimas. Esta percepção abriu novas perspectivas para as políticas indigenistas. A transfiguração em branco não é destino inescapável.

A adaptação à interação com a sociedade não indígena deve ser guiada pelas próprias culturas e necessidades dos povos e seus indivíduos. Hoje, várias populações adicionaram ao seu repertório de conhecimentos técnicas e instrumentos, como o uso de filmadoras, automóveis e a própria língua portuguesa, de acordo com padrões próprios. Também passaram a exercer outras atividades, como as de professores, microscopistas e pesquisadores.

O olhar sobre outras maneiras de encarar o mundo nos impele a deixar de considerar o Ocidente como padrão e referência para toda a humanidade. E aí reside o desafio: considerar nosso saber como mais um entre outros.

Observação:

LUÍS FERNANDO FEREIRA é jornalista, historiador e mestrando em Antropologia social pela Universidade de São Paulo. É membro da Comissão Pró-Yanomami e associado ao Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da USP.

Fonte: Revista da História- Biblioteca Nacional, ano 2, nº 17, fevereiro 2007, pag.24-25.

GLOSSÁRIO

Pagãos= Os antigos povos não cristãos, assim como dos que se ligam ao politeísmo e a seus adeptos. Nome dado às crianças ainda não batizadas. Que não foi batizado; Indolentes ocioso, preguiçoso, indiferente, apático, inerte, negligente, descuidado.

Afeitos= Que está acostumado a algo, habituado, ociosidade;

Imobilismo= Gosto por coisas antigas, aversão a mudanças ou ao que é novo e representa progresso, conservadorismo;

Longínquo= Que fica longe; remoto; distante;

Gradativa= Aos poucos, ou disposto em degraus;

Silvícolas= Quem vive nas florestas, selvagem, indígena;

Coerção= É o ato de induzir, pressionar ou compelir alguém a fazer algo pela força, intimidação ou ameaça.

REFLETINDO SOBRE O TEXTO


1- Segundo os princípios das sociedades indígenas, explique como eram as atividades específicas:

2- Explique as frases:

a) “O choque dos diferentes sistemas de produção entre brancos e índios - se torna mais evidente nas tentativas de estabelecimento da escravidão indígena no Brasil”:

b) “A adaptação à interação com a sociedade não indígena deve ser guiada pelas próprias culturas e necessidades dos povos e seus indivíduos.”

3- Explique a frase: Pagãos, indolentes e pouco afeitos ao trabalho: era assim que os colonizadores viam os índios.”:

4- Padre Antônio Vieira e os colonizadores procuravam entender os índios de acordo com os parâmetros europeus. Explique este quadro:

5- De acordo com o século XVIII, compare como os povos indígenas e o mundo ocidental eram vistos:

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Preguiça Colonial

Preguiça Colonial

Maria Helena Ochi Flexor

Durante muito tempo, o trabalho era restrito aos escravos. Mas a Coroa portuguesa tinha planos para erradicar a ociosidade na Colônia

O Morgado de Mateus constatava que a grande maioria das pessoas não fazia nada: ficavam deitadas na rede ou cachimbando, e afirmavam desprezar o trabalho, deixado para os pretos

No final do século XVIII, Luis dos Santos Vilhena, professor de grego na cidade de Salvador, definia a preguiça como a qualidade daqueles que eram capazes de ação, mas preferiam o descanso, e com muita dificuldade decidiam sair dele. A ociosidade era um atributo das pessoas que trabalhavam, mas pouco. Já a vadiagem era própria daqueles que andavam perambulando pelas vilas, sem trabalho, vivendo de divertimentos e crimes, sem meio de vida conhecido. Vilhena achava que essas atitudes eram vícios e, portanto, contrarias aos bons costumes e merecedoras de reprovação.

Um século antes, o poeta Gregório de Mattos – o “Boca do Inferno", cuja pena ferina atingiu e incomodou muita gente de seu tempo -, como membro de família abastada, fazia parte da classe social que tinha direito institucional a ociosidade. Talvez por isso, aqueles que, como ele, não eram muito apegados ao trabalho raramente tenham sido alvo de suas críticas mordazes: em toda a sua obra conhecida, só há uma referência a um personagem vadio, um barbeiro.

A diferença entre o modo como Gregório de Mattos e Luis dos Santos Vilhena enxergavam o trabalho e o ócio se deve ao início de uma mudança na mentalidade da sociedade em relação a essas questões. A mesma oposição pode ser encontrada entre Pedro Taques, autor da Nobíliarquia paulistana histórica e genealógica, que enobreceu seus ilustres antepassados paulistas, e o juiz da Alfândega Marcelino Pereira Cleto, que escreveu suas memórias entre 1782 e 1814, e que ressaltava a preguiça provocada pela abundância da pesca no litoral de São Paulo, considerando seus habitantes bem mais vadios que os do planalto.

A nova visão, que exaltava as benesses do trabalho, era influenciada pelo pensamento europeu da época. Provavelmente, a pequena glaciação que atingiu parte do continente entre 1400 e 1700, trazendo invernos mais longos e temperaturas mais baixas, provocou um grande impacto na agricultura, nas florestas, na saúde (associada à peste bubônica), na economia e na sociedade. Nos séculos XV e XVI também haveria uma grande mudança nas artes, no artesanato e na cultura em geral, fenômeno que resultou no que se conhece por Renascimento.

As viagens de descobrimentos representavam também uma forma de atenuar os males causados pelos fenômenos climáticos no Velho Mundo. Faziam-se condimentos do Oriente para conservar alimentos. As trocas de mudas de plantas e animais com outros povos - entre as inúmeras conquistas- visavam multiplicar ou substituir os alimentos desaparecidos de algumas regiões da Europa O impacto disso, sobretudo na agricultura e no pastoreio, fez com que os europeus iniciassem um processo de revisão de seus conceitos que culminou com a valorização da agricultura e do comercio como atividades dignas. Ate então, o trabalho não era visto como uma virtude.

Outras transformações, que culminaram com a Revolução Francesa, seriam gestadas durante boa parte do século XVIII, provocando mudanças que levaram muitos reinos a trocar a monarquia absolutista por governos constitucionais. A valorização do trabalho foi um fator essencial nesse cambio de mentalidade que levaria a uma outra revolução - a Industrial.

No Brasil também houve mudanças significativas. O comercio de Portugal com o Oriente começava a declinar em meados do Setecentos. D. Jose I e seu ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o conde de Oeiras (mais tarde marques de Pombal), implementaram um projeto de reformas administrativas, econômicas, sociais, religiosas, educacionais e políticas. Dentro desse projeto, a Coroa se mobilizava para realmente colonizar o Brasil, tomando posse do território e povoando-o, fato decorrente do Tratado de Madri, de 1750, com a Espanha.

A decisão resultou na criação de inúmeras vilas, povoações, freguesias; em sua maioria, antigas aldeias indígenas dos jesuítas, dos franciscanos e dos carmelitas. Para implantar o projeto, foram escolhidos homens de inteira confiança do conde de Oeiras, como seu meio- irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado para governar o Estado do Grão- Pará e Maranhão. Seriam nomeados ainda juízes de fora ouvidores e engenheiros das comissões de demarcação de fronteiras. Estes permaneceriam por nove ou dez anos em seus postos, para garantir a execução do que fora planejado.

No Brasil, começou uma intensa luta contra a ociosidade e a preguiça. O trabalho passou a ser valorizado e algumas atividades foram incentivadas, a começar pela agricultura, seguida pelo comércio. As autoridades foram rigorosas, em discursos e ações, no combate ao hábito negativo: eram dadas penas pesadas a quem tivesse em casa homens vadios sem avisar as autoridades.

Os primeiros habitantes das vilas deveriam ser vadios e criminosos de pequenos delitos, e, majoritariamente, índios. Para reforçar o povoamento, foram trazidos colonos dos Açores, da Madeira, do Norte da África e da região do Minho, em Portugal. Dentro dessa política de ocupação do território, foi dada liberdade aos índios, que se tornaram vassalos, procurando europeizá-los, fazê-los falar a língua portuguesa e viver em “sociedade civil". Isto significava viver em um núcleo urbano, onde poderiam receber os sacramentos, ter moradia unifamiliar, aprender a ler e escrever, ou um ofício mecânico, e a se vestir como os civilizados. Evidentemente, os índios também teriam ocupações regulares, para produzir excedentes e comercializá-los. Desta forma, desenvolveriam a ambição e, conseqüentemente, a noção de lucro, para poderem comprar escravos e aumentar sua produção.

Para fixar os habitantes ao solo, foi proibida a exploração do ouro, sendo confiscados todos os instrumentos dos ourives e proibido o exercício da profissão. Estabeleceu-se que de forma alguma se deveria explorar o ouro, por ser a atividade motivo de muita vadiação e pobreza. Aqueles que não permaneciam nos novos núcleos urbanos eram considerados desertores. Todos precisavam de passaporte para transitar entre as comarcas e capitanias, uma exigência destinada a evitar que ficassem vagabundeando de um lugar para outro.

D. Luis Antonio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, governador de São Paulo, testemunhava que dois vícios dominavam o povo e eram, além de pecados, causa da sua pobreza: a presunção e a preguiça. Dizia não ter palavras para expressar o excesso a que chegaram esses dois vícios. Em seguida, constatava que a grande maioria dos homens e mulheres não fazia nada: ficavam deitados de dia e de noite, balançando-se na rede ou cachimbando, e afirmavam desprezar o trabalho, deixado para os pretos, que Ihes proporcionavam o que comer. Aqueles que trabalhavam o faziam as escondidas, porque seriam malvistos. O governador de São Paulo atribuía o atraso da agricultura a vadiagem e a preguiça, as vendas a credito e a existência de escravos.

Os habitantes da America sabiam que suas terras Ihes davam alimentos em abundância onde se semeasse, sem ser necessário plantar em roças de mata virgem. O que impedia o sucesso das atividades agrícolas eram a suma preguiça e a negligência, não só dos índios, mas também dos filhos do Reino que, por desprezarem o trabalho, o abandonavam aos escravos. Muitos portugueses não tinham intenção de permanecer no Brasil, daí não se estabelecerem nem buscarem trabalho fixo para ter rendas. Partiam para as colônias espanholas em busca da prata.

Embora os índios fossem considerados os mais preguiçosos, devido a sua visão de mundo peculiar, os portugueses não fugiam a essa pecha. Ainda em 1538, o humanista Clenardo, escrevendo de Lisboa a seu amigo Latônio, afirmara que em Portugal a agricultura era vista com muito desprezo. Para ele, o elemento que formava o “nervo principal de uma nação" ali era de grande debilidade, pois se havia “algum povo dado a preguiça sem ser o português”, então não sabia onde existia.

A maioria dos núcleos urbanos criados no Brasil não progrediu. Podem ser citadas diversas causas: a mentalidade do português que vinha para cá, a subordinação de umas regiões a outras, o número restrito de habitantes e sua dispersão. Relatos da segunda metade do Setecentos acusavam a falta de capitais, a presença da escravatura que causava “mais anemia, a indolência dos habitantes”. Fazia-se referência também a um dos mais graves constrangimentos sociais, a corrupção.

Vários autores, em diversas regiões, condenavam veementemente a vadiagem. O marechal Arouche de Toledo Rendon (1756-1834) chegou a afirmar que “a vadiação só por si e um crime público dos mais prejudiciais ao Estado e, por conseqüência, não há nisto infração dos direitos da liberdade, porque nenhum vassalo pode eximir-se das leis da sociedade e nenhum pode ter o direito de, em boa saúde, sustentar-se a custa dos demais, como sucede com todos os vadios". As idéias de alguns destes autores buscavam justificar, ainda no fim do Setecentos e mesmo no século XIX, o confinamento e a escravidão indígenas.

Os forros e os mestiços, mesmo depois de livres, nunca deixaram de estar ligados à visão que se tinha da escravidão. Atribuía-se ainda ao índio a culpa por muitos brancos terem sido contagiados pela falta de ambição que negava o trabalho. O índio, confinado pela ma compreensão de sua visão de mundo e de seu tipo de vida, não teve muitas chances e, em geral, não conseguiu absorver as noções de ambição, civilidade, trabalho e espaço dos brancos.

Uma das formas de coibir os ociosos e os preguiçosos era recrutá-los, dispensando os trabalhadores. Em algumas capitanias, ficou estabelecido que para todos os serviços, inclusive os reais, deviam ser convocados os vadios e desimpedidos, e, em caso de necessidade, os que trabalhavam na agricultura, mas que fossem escolhidos os que não fizessem falta.

Passou-se a convocar, normalmente, os ociosos para as tropas. Por exemplo, para a conquista de novos lugares, como Ivaí, Rio Pardo, Iguatemi, este chamado de “cemitério dos paulistas”, deviam ser chamados, antes dos próprios militares, os solteiros vadios e os casados que não tivessem domicilio, sob pena de terem que sentar praça forçadamente.

Rendon achava que as milícias deviam ser formadas somente por índios, e que fossem dispensados os que trabalhassem nas paradas e obrigações públicas. Achava que se os capitães-mores corruptos e os vadios sentissem medo do recrutamento, então se dedicariam ao trabalho. Entretanto, ate o Império verificou-se que essa estratégia não teve resultados. Rendon se justificava dizendo que o trabalho forçado “ao longo do uso Ihe há de formar uma nova natureza”.

No fim do século XVIII, com o aumento da agricultura e do comércio, dizia-se que a inércia e a preguiça estavam contidas. O Brasil finalmente entrava na competição do mercado externo. O otimismo, entretanto, só mostrava uma pequena mudança de mentalidade e certa valorização do trabalho. Os índios continuariam a ter fama de preguiçosos e ariscos ao trabalho e os serviços braçais seguiriam sendo considerados “indignos" e restritos as classes baixas, cujo suor garantiria, ainda por muito tempo, os lucros e o bom descanso das elites.


Observação:

MARIA HELENA OCHI FLEXOR é professora emérita da Universade Federal da Bahia e professora da Universidade Católica de Salvador (UCSAL); e autora do artigo “ A Ociosidade, a Vadiagem e a Preguiça: O Conceito de Trabalho no Século XVIII”, Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador, nº 95, p. 73-89,2000.

Fonte: Revista da História- Biblioteca Nacional, ano 2, nº 17, fevereiro 2007, pag. 18-21..


GLOSÁRIO


Ociosidade= estado de quem não faz nada

Forros= Que teve alforria; libertos; livres; desobrigados

Mestiços= pessoas que tem um pai branco, por exemplo, e uma mãe da cor negra. Ou que tem pai negro e mãe branca.

Escravidão= Estado ou condição de escravo; escravatura, escravaria, cativeiro, servidão. Falta de liberdade; sujeição, dependência, submissão, servidão, escravatura:
Regime social de sujeição do homem e utilização de sua força, explorada para fins econômicos, como propriedade privada; escravatura.

Restritos= Limitados, menos extensos que outro.

Milícias= é uma espécie de tropa informal para deter o poder de uma região ou comunidade. Exemplo: FARC's

Dispersão= esparramar, disseminar, afugentar, enxotar, dissipar, debandar

Indolência= insensibilidade, apatia

Negligência= É o termo que designa falta de cuidado ou de aplicação numa determinada situação, tarefa ou ocorrência.

Ourives= Fabricante, vendedor e negociante de peças de ouro e prata.

Revolução Francesa= A Revolução Francesa, iniciada em 1789, foi um exemplo clássico de revolução burguesa. Embora tivesse tido a participação de outras camadas socais, como os camponeses e as massa urbanas miseráveis, ela foi essencialmente conduzida pela burguesia para realizar suas aspirações.

Benesses= Em benefício, pé de altar, emolumento paroquial.

REFLETINDO SOBRE O TEXTO

1- Para fixar os habitantes ao solo, o que foi proibido e qual era a penalidade?

2- Quem era ligado à visão que se tinha da escravidão e a falta de ambição que negava o trabalho?

3- Quem era considerado desertores?

4- Segundo o texto, existia dois vícios : a presunção e a preguiça. Comente-os:

5- “Uma das formas de coibir os ociosos e os preguiçosos era recrutá-los”. Explique a frase:

6- O que Rendon considerava sobre as milícias?

7- Comente a frase: “Os índios continuariam a ter fama de preguiçosos e ariscos ao trabalho”:

8- Como o professor de grego Luis dos Santos Vilhena definia a preguiça?

9- Qual a visão do poeta Gregório de Mattos sobre o trabalho?

10-Explique a diferença entre o modo como Gregório de Mattos e Luis dos Santos Vilhena sobre o ócio e o trabalho:

11- Fale sobre a influência da Revolução Francesa no trabalho:

12- Explique a frase: “No Brasil, começou uma intensa luta contra a ociosidade e a

preguiça”:

13- Quem e como eram os primeiros habitantes das vilas no Brasil?

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Vegetarianos à Força

Vegetarianos à Força

Pedro Henrique Campos

Enquanto a nobreza comia todos os tipos de carne, escravos se atiravam na Baía de Guanabara atrás de miúdos de boi...
Em regiões rurais, médicos encontraram escravos que não comiam alimento animal havia anos.


Frutas, verduras e grãos. À primeira vista, uma boa dieta, típica de quem quer manter- se “em forma”, com se diz. Mas o termo que deveria estar entre aspas é “quer”, pois ele faz toda a diferença. No Rio de Janeiro de D. João VI, escravos mantinham uma dieta muito próxima à dos vegetarianos- mas eram obrigados a isso, por não terem acesso a quase nenhuma proteína animal.

Muitos historiadores notaram que, desde o tempo da Colônia, os hábitos alimentares simbolizavam com perfeição nossa desigualdade social. As pessoas mais ricas preferiam consumir alimentos estrangeiros, especialmente os portugueses, como vinho, pão de trigo, azeite, vinagre, azeitona e queijo. Já os escravos e homens livres pobres se viam obrigados a comer produtos nacionais, como mandioca, feijão, milho, peixe e frutas. Estava materializada na alimentação a distancia que separava os proprietários de terra e grandes comerciantes dos demais grupos sociais.

No inicio do século XIX, o Rio era o principal centro urbano do Brasil. Tinha o comércio mais movimentado e era o porto mais importante do mercado de escravos. Alem da sujeira das ruas, das vias estreitas e barulhentas, era a quantidade de escravos o que mais saltava aos olhos de quem visitava a cidade. A vinda da Corte portuguesa, em 1808, aumentou enormemente a demanda por cativos para servir a família real, aos funcionários da Coroa e aos cortesãos. Os escravos chegaram a cerca de 60 mil, quase a metade da população urbana.

Com mais homens livres e escravos nas ruas, criaram-se dois grandes problemas para os governantes. Em primeiro lugar, temia-se uma "haitização" da capital, ou seja, uma grande rebelião nos moldes da que dominou a colônia francesa do Haiti em 1791, levando a proclamação da sua independência em 1804. O segundo medo era o do desabastecimento de bens. Principalmente de alimentos.

O item mais escasso era também um dos mais elementares: a carne. O produto era transportado para a capital na forma de animais vivos - principalmente boiadas vindas das províncias de Minas Gerais e Rio Grande do Sul (os gaúchos tinham o maior rebanho bovino do país) - ou como carne-seca, em navios que costeavam o litoral, no chamado comercio de cabotagem.

Com os bois vivos preparava-se um tipo especial de carne, diferente da carne-seca, que era mais salgada e durava mais. Os bois eram abatidos em matadouro público (na Rua Santa Luzia, no bairro da Gloria) e encaminhados aos diversos açougues da cidade. Ali, as pessoas compravam a carne e preparavam-na no mesmo dia, para que não apodrecesse. Era a chamada "carne verde": mais cara e consumida pelos grupos privilegiados da sociedade: grandes comerciantes, fazendeiros e altos funcionários do governo.

Além de escravos, a vinda de D. João VI para o Brasil atraiu também - principalmente a partir de 1815, com o fim das guerras napoleônicas - muitos cientistas, artistas e comerciantes europeus, que mantiveram cartas e diários de viagem. Estes registros revelam que a questão dos hábitos alimentares no Brasil causava grande estranhamento nos viajantes. Eles criticavam o comportamento dos colonos à não utilização de talheres e a falta de respeito a etiquetas, inclusive entre os mais ricos. Relatavam, enojados, que era um costume muito comum comer com as mãos, usando apenas uma faca para auxiliar no corte de algum pedaço de carne.

Os estrangeiros também notaram muitas diferenças entre a alimentação das pessoas ricas, dos pobres e dos escravos. Segundo relato do pintor francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), o horário das refeições variava conforme a condição social. Enquanto os empregados e escravos jantavam por volta das 14 horas, os proprietários e grandes comerciantes só faziam a refeição às 18 horas. A sesta após a janta era comum, mas também variava entre as classes: enquanto os ricos cochilavam de duas a três horas, os mais pobres - justamente aqueles que trabalhavam - dispunham de menos tempo para o descanso.

Alguns viajantes puderam presenciar as refeições de vários grupos sociais, encontrando grande diferença, a no cardápio. Debret esteve na casa de um rico comerciante e participou de um banquete, que era ali um hábito freqüente. Ao descrever o evento, o pintor conta que na mesa havia um "enorme pedaço de carne de vaca, salsichas, tomates, toucinho". Depois vinham “galinha com arroz" e "uma resplendente pirâmide de laranjas" - tudo acompanhado de frutas e taças com água e vinho Porto e Madeira, mantidas sempre cheias pelos escravos domésticos.

Os mais abastados não só comiam muita carne, mas em grande variedade - boi, porco e ave. Já os homens pobres livres tinham dificuldades para consumir proteínas animais. Debret nota que um pequeno comerciante carioca comia apenas “um miserável pedaço de carne-seca" com farinha e feijões. Robert Walsh, viajante inglês, relata que "o alimento do pobre é o feijão-preto e a farinha de mandioca. O primeiro é sempre preparado com toucinho e a mandioca e servida também com carne-seca".

A situação dos escravos era ainda pior, tendo que lutar para conseguir comer qualquer tipo de carne. Segundo Debret, viviam disputando aos animais domésticos os restos de comida". Em regiões rurais, médicos encontraram escravos que não comiam alimento animal havia anos. Eram verdadeiros vegetarianos a força. Em busca de carne, alguns escravos ficavam próximos ao matadouro, aguardando o momento em que as sobras eram jogadas ao mar. Eles então mergulhavam nas águas da Baia de Guanabara e coletavam os miúdos de boi, para fazer lingüiças e comer junto com feijões.

Quando os senhores concediam carne a seus escravos, esta vinha em tão pouca quantidade que muitas vezes era necessário transformá-la em sopa, para que todos pudessem comer. Os cativos também buscavam outros tipos de animais para completar sua dieta, atesta o inglês John Luccock: "tudo quanto tem vida, exceto, talvez, alguns répteis, [...] e todas as criaturas pareciam igualmente bem vindas pelas classes baixas dos nativos e pretos".

Alguns escravos recorriam ao roubo para conseguir pedaços de bife. Quando os quartos de bois eram transportados do matadouro para os açougues em carrinhos de mão, assaltavam o transportador para conseguir sua pequena porção diária de alimentação animal. Quem mais recorria aos assaltos eram os chamados escravos de ganho, que podiam se dedicar a diferentes ofícios urbanos por conta própria, devendo pagar boa parte de seu rendimento aos senhores. Não à toa, em 1808 D. João criou a Intendência de Polícia da Corte, que, entre outras funções, tinha que manter a "ordem" na cidade, evitando furtos e toda forma de organização e preparação de uma rebelião escrava na nova capital do Império.

No livro Geografia da Fome, escrito logo após a Segunda Guerra Mundial, o médico e intelectual Josué de Castro (1908-1973) afirmou que era possível dividir a humanidade entre os que não comem e os que não dormem com medo dos que não comem. Assim vivia a população do Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX: em parte faminta, em parte amedrontada.

Observação:

PEDRO HENRIQUE PEDREIRA CAMPOS é professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor da dissertação “Nos Caminhos da Acumulação: Negócios e Poder no Abastecimento de Carnes Verdes para a Cidade do Rio de Janeiro, 1808-1835" (UFF, 2007).

Fonte: Revista da História- Biblioteca Nacional, ano 4, nº 42, março 2009, pag. 54-57.

GLOSSÁRIO

D. João VI= Foi Rei de Portugal. Era casado com D. Carlota Joaquina da Espanha. Pai de nove filhos, um deles Pedro que seria imperador do Brasil. Em virtude do conflito entre França e Inglaterra, seu governo teve um período de grande intranqüilidade. A fim de prejudicar a Inglaterra, Napoleão decretou o bloqueio continental. Quando Portugal foi invadido pelas tropas, a família real portuguesa com toda a corte embarcou para o Rio de Janeiro.

Cortesãos= Que ou aqueles que pertencem à corte; palaciano; áulico. Adj. Gracioso nas maneiras e palavras, delicado, elegante. S.m. Aquele que procura agradar com lisonjas e adulações. Homem cortês e afável.

Jean-Baptiste Debret= Pintor francês que esteve no Brasil com a Missão Artística Francesa. Em suas telas retratou não apenas a paisagem, mas, sobretudo a sociedade brasileira, não esquecendo de destacar a forte presença dos escravos. Foi iniciativa sua a realização da primeira exposição de arte no país, em 1829.

Resplendente= adj. Luzente, brilhante, que emite luz; o mesmo que resplandecente.

John Luccock= As informações mais minuciosas dos costumes e da paisagem do Rio de Janeiro foram feitas pelo inglês John Luccock. Sua vinda foi movida pela procura de recursos financeiros, e aqui observou a sociedade e as condições geográficas tão diferentes das do seu país.

Corte= Residência de um Soberano.

Cativos= Prisioneiro de guerra, escravos.


REFLETINDO SOBRE O TEXTO


1- “Frutas, verduras e grãos.” Dieta nesses padrões era desejo de querer dos escravos naquela época? Explique sua resposta.

2- Podemos afirmar que “os hábitos alimentares simbolizavam com perfeição nossa desigualdade social”? Dê exemplos que confirmem sua resposta:

3- Como era a cidade do Rio no inicio do século XIX?

4- Com mais homens livres e escravos nas ruas, criaram-se dois grandes problemas para os governantes. Explique quais eram:

5- Cite qual era o item mais escasso e também um dos mais elementares. Fale um pouco sobre ele:

6- Explique o que era "carne verde”:

7- Explique as expressões:
a) “... hábitos alimentares no Brasil causava grande estranhamento nos viajantes....”
b) “Os estrangeiros também notaram muitas diferenças entre a alimentação das pessoas ricas, dos pobres e dos escravos.”

8- Debret como alguns viajantes puderam presenciar as refeições de vários grupos sociais, encontrando grande diferença, a no cardápio. Relate as impressões registradas por ele:

9- “Alguns escravos recorriam ao roubo para conseguir pedaços de bife.” Explique a frase:

10- “... era possível dividir a humanidade entre os que não comem e os que não dormem com medo dos que não comem. Assim vivia a população do Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX: em parte faminta, em parte amedrontada.” Explique com suas palavras o que você entendeu com essa expressão:

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O Jeitinho brasileiro é Uma Forma de Corrupção?

O Jeitinho brasileiro é Uma Forma de Corrupção?

ROBERTO DAMATTA

No Brasil não faltam jeitos, para o bem e para o mal. O mesmo talento que serve para

encurtar caminhos no dia-a-dia, quando aplicado na política pode facilitar ganhos

particulares com recursos públicos. Em debate salutar para a democracia, alguns

convidados esboçam os tênues limites entre o jeitinho brasileiro e a corrupção.

Na França, um monte de gente foi para a guilhotina. Aqui, inventou-se o jeitinho.

SE A TRANSGRESSÃO DA REGRA não causa prejuízos, temos o jeitinho ético. Ele poderia ocorrer na maioria dos países, exceto, talvez, na Suíça, onde um trem sai as 14h57! E sai mesmo: eu fiz o teste. Mas, sociologicamente, o jeitinho mostra uma relação ruim com a lei geral. Se tenho um parente na Receita Federal e ele faz vista grossa aos meus impostos, o jeitinho vira corrupção.

A democracia liberal acabou com o regime de privilégio. Alguns comportamentos só eram crimes se cometidos por plebeus. Veja Os Miseráveis, de Victor Hugo, ou O Conde de Monte Cristo, de Dumas. Há ali bons exemplos desse mundo hierarquizado. A Revolução Francesa liquidou a lei privativa e instituiu um código universal de direitos, proclamados auto-evidentes na Constituição americana. Antes, os nobres não pagavam impostos. Depois, até o presidente paga.

A República Brasileira fez a revolução igualitária no papel, em cima de um regime social aristocrático como duas pernas de uma ficção jurídica. E o faz-de-conta de que todos obedecem a lei, quando sabemos que os velhos aristocratas são mais donos do poder que o povo. Com isso, podemos continuar contemplando o privilégio de não cumprir integralmente a lei, mesmo debaixo de um regime igualitário. Já na França pré-revolucionária ou no Brasil imperial, a desigualdade era o valor organizatório. Então, o jeitinho era dar ao pobre a oportunidade de ser igual ou libertar o escravo.

O jeitinho se confunde com corrupção porque desiguala o que deveria ser tratado com igualdade. O que nos enlouquece é a persistência em lidar com a lei de forma que induz os chefes a passarem por cima dela porque a "empossam". Já certas pessoas (negros, pobres e mulheres) são colocadas implacavelmente debaixo dela. O que faz com que a lei seja desmoralizada, e quem a cumpre, estigmatizado como otário ou subcidadão.

LEONARDO AVRITZER


A mídia prefere novos casos a seguir até o final os já existentes.

O JEITINHO BRASILEIRO expressa duas características. A positiva é a capacidade de adaptação em diferentes situações. Isso dá ao país uma flexibilidade política e uma capacidade de inovação invejáveis. O lado negativo é uma ambigüidade em relação as regras. Isso afeta o sistema político e as instituições, que por vezes operam com um certo desprezo pelas regras formais do jogo político.

Esta flexibilidade também esta ligada ao "familismo amoral", um padrão moral que privilegia as relações familiares e permite um desrespeito as regras daquilo que é público. Essa é a dimensão do comportamento brasileiro que mais propicia a corrupção.

Percorremos um importante caminho até considerar essas práticas negativas para o sistema político, mas ainda não conseguimos superá-las.

Corrupção depende da percepção, já que quem é corrupto não o admite publicamente.

Não existe método para classificá-la internacionalmente. Ela varia de acordo com a liberdade de imprensa e das instituições democráticas de cada país. Os índices, principalmente o da Transparência Internacional, não consideram essas dimensões.

Então, vemos países com ótimas performances comparativas, mas sem mecanismos democráticos, como a Malásia. Hoje o Brasil esta distante de aceitar uma postura de "roubo, mas faço". Mas esse sistema político se deslegitima quando a opinião pública percebe que ele não consegue tratar da corrupção no seu interior.

O grande problema não é perceber a corrupção, mas puní-la. O combate está muito concentrado no Executivo, especialmente na Polícia Federal. Já a mídia não tem um papel muito claro. Ela prefere novos casos a seguir até o final os já existentes. Poderia ser mais transparente, acompanhar exaustivamente toda a tramitação e exercer uma pressão maior sobre o Judiciário para que as punições ocorram.

LOURENÇO STELIO


O Jeito precisa de Redenção.


ABORDO O JEITINHO BRASILEIRO através da ética cristã. Explico seu ciclo vicioso em quatro estágios. Primeiro, um descaso público frente ao cidadão. Ele paga os impostos, mas também o pedágio ou para receber saúde. O segundo é a sonegação. Não mobilizada, a pessoa sonega. Entra a fiscalização e, dependendo do fiscal, chega-se a terceira etapa, a corrupção. Ela é alimentada pelo quarto estágio, a impunidade. O eixo que gira este ciclo é o jeitinho.

Na primeira carta escrita no Brasil, Pero Vaz de Caminha já pede emprego para um parente. Perseguidos pela Igreja, os escravos que estavam no Brasil mudaram a nomenclatura de suas divindades. Ogum vira São Jorge. Trato o jeitinho como a busca de saídas diante de uma situação que não se quer enfrentar. Ele é internacional. Nos Estados Unidos, as fraudes econômicas estão ligadas a corrupção, mas lá há punição. Precisamos de novas políticas de combate, aperfeiçoar os órgãos de controle. Fiscalizar os fiscais. A credibilidade só vira de dentro do sistema. Acredito nas novas gerações de promotores e juízes. Precisamos investir no desenvolvimento de um espírito nacional, que perdemos.

Temos que investir desde o berço em cidadania e respeito à população e a legislação.

Algumas igrejas agem de forma ilícita, mas a ética cristã é centralizada no amor e na convivência humana. Porém, nós, teólogos, vemos a natureza humana com uma parcela de natureza perversa. Não acreditamos na idéia de Rousseau de um homem completamente bom. É preciso transformar o sujeito pela sua espiritualidade e por sua educação. Seria o que se chama de conversão. O jeitinho precisa de redenção.

Acreditamos na transformação de indivíduo de dentro pra fora.

Observação:

ROBERTO DAMATTA Antropólogo, escritor e professor da PUC-Rio.

LEONARDO AVRITZER, Professor da UFMG e um dos organizadores do livro Corrupção - Ensaios e Críticas

LOURENÇO STELIO, Escritor, teólogo e autor do livro Dando um Jeito no Jeitinho

Fonte: Revista da História- Biblioteca Nacional, ano 4, nº 42, março 2009, pag. 34 e 35.


GLOSSÁRIO

Guilhotina= é um instrumento utilizado para aplicar a pena de morte por decapitação. constituído de uma grande armação reta (aproximadamente 4 m de altura) a qual é suspensa uma lâmina triangular pesada (de cerca de 40 kg). A lâmina é guiada à parte superior da armação por uma corda, e fica mantida no alto até que a cabeça do condenado seja colocada sobre uma barra que a impede de se mover. Em seguida, a corda é liberada e a lâmina cai de uma distância de 2,3 metros, seccionando o pescoço da vítima. (As medidas e peso indicados são os das normas francesas). Joseph-Ignace Guillotin (1738-1814), não foi o seu inventor mas estimava que a instantaneidade da punição era a condição necessária e absoluta de uma morte decente;

Corrupção= A corrupção política é o uso das competências legisladas por funcionários do governo para fins privados ilegítimos. Desvio de poder do governo para outros fins;

Plebeus= Homens da plebe, homem do povo. Os plebeus pertenciam à classe popular da sociedade na antiga República Romana. Entre eles estavam os escravos libertos, os agricultores e os vassalos dos patrícios. Não se sabe como se originou a diferença entre plebeus e patrícios, embora já existisse no início do séc. VI a.C.;

Revolução Francesa= Movimento social e político ocorrido na França no final do século XVIII que teve por objetivo principal derrubar o Antigo Regime e instaurar um Estado democrático que representasse e assegurasse os direitos de todos os cidadãos. . Inspirada pelas idéias iluministas, a sublevação de lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” ecoou em todo mundo, pondo abaixo regimes absolutistas e ascendendo os valores burgueses. Foi à revolução burguesa, tendo vista a sua condição de destruidora da velha ordem em nome das idéias e valores burgueses e por conta da ideologia burguesa predominante durante praticamente todo processo revolucionário;

Estigmatizado= Desvirtuar, censurar, condenar: estigmatizar o vício. desvirtuar, condenar;

Transgressão= Significa a ação humana de atravessar, exceder, ultrapassar, noções que pressupõem a existência de uma norma que estabelece e demarca limites;

Nomenclatura= Sistema de designação de coisas ou seres e suas divisões;

Credibilidade= Dar certeza, crédito;

Pero Vaz de Caminha= foi um escritor português que se notabilizou nas funções de escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral. Dedicava-se ao comércio antes de ser designado escrivão da feitoria de Calicute, na Índia, para onde segue com a bem equipada frota do comandante Pedro Álvares Cabral, responsável pelo descobrimento do Brasil em 22 de abril de 1500;

Ética= Ciência que estuda os juízos morais referentes a conduta humana.Virtude caracterizada pela orientação dos atos pessoais segundo os valores do bem e da decência pública;

Redenção= Ato de redimir. Compensar um erro cometido mediante ato redentório;

Executivo= é o poder do Estado que, nos moldes da constituição de um país, possui a atribuição de governar o povo e administrar os interesses públicos, cumprindo fielmente as ordenações legais. No presidencialismo, o líder do poder executivo, denominado Presidente, é escolhido pelo povo, para mandatos regulares, acumulando a função de chefe de estado e chefe de governo;

Sonegação= Deixar de pagar impostos;

Rousseau= Jean-Jacques Rousseau foi um importante filósofo, teórico político e escritor suíço. É considerado um dos principais filósofos do iluminismo, sendo que suas idéias influenciaram a Revolução Francesa (1789);

REFLETINDO SOBRE O TEXTO


1- Explique a frase “O jeitinho se confunde com corrupção”:

2- Escolha um dos livros citados no texto e faça uma síntese sobre ele:

3- Quando o Jeitinho vira Corrupção?

4- Explique a frase “A República Brasileira fez a revolução igualitária no papel”:

5- Explique a frase “. Na França, um monte de gente foi para a guilhotina. Aqui, inventou-se o jeitinho e o "Você sabe com quem esta falando?":

6- Defina o Jeitinho Ético:

7- O Jeitinho Brasileiro possui duas características. Cite e explique quais são:

8- Com suas palavras explique "familismo amoral":

9- Explique os quatro estágios do Jeitinho Brasileiro, segundo o autor Lourenço Stelio:

10- Dê dois exemplos sobre “o jeitinho como a busca de saídas diante de uma situação que não se quer enfrentar”:

11- Segundo o autor Leonardo Avritzer, corrupção depende da percepção. Você concorda com essa idéia? Justifique sua resposta:

12- De acordo com o texto, explique: Transparência Internacional:

13- Qual o papel da mídia com relação a corrupção?

domingo, 16 de janeiro de 2011

A Arte de Furtar


RO N A L D O VA I N FA S
A Arte de Furtar
Livro escrito no século XVII mostra que no Brasil Colônia os desvios faziam parte da
norma
Não RESTA DÚVIDA DE QUE A CORRUPÇÃO endêmica marca o Estado brasileiro
deita raízes em nosso passado colonial. Mas, naquele tempo, o que e chamamos de peculato - apropriação de dinheiro público em proveito próprio - não chegava a ser uma
irregularidade. Pelo contrário, era coisa institucionalizada e derivava do que o historiador e cientista político Raymundo Faoro (1925-2003) chamou de Estado patrimonial, no qual as esferas pública e privada se confundem.
Era comum a Coroa arrendar a particulares o direito de cobrar impostos, assim como o
direito de explorar produtos monopolizados pelo Estado. O regime de capitanias
hereditárias foi um modelo desse esquema, no qual os donatários eram oficiais do rei
recompensados com privilégios particulares,incluindo terras e parte da receita fiscal
devido ao monarca. O que chamamos hoje de bem público era então, propriedade do rei.
Naquela época, proibia-se, antes, a malversação em excesso. Se não chegava a configurar um crime de lesa-majestade, era delito passível de punição. O Livro V das Ordenações Filipinas (1603) estabeleciam que "qualquer oficial nosso ou pessoa outra que alguma coisa por nós houver de receber, guardar ou arrendar nossas rendas, se alguma das ditas coisas furtar ou maliciosamente levar", ficava condenado a perder o ofício e ressarcir o Tesouro.
Se o roubo fosse muito grande, aí sim, poderia ser tratado como simples ladrão.
Uma prova de que o Tesouro era lesado em escala maior do que a prevista encontra-se no livro A arte de Furtar, escrito em 1652. Irônico, o autor abre o livro dizendo que o furto era mesmo algo nobre, e, à moda barroca, caracteriza dezenas de fórmulas desta arte. Dos que furtam com unhas reais, agudas, militares, disfarçadas, postiças, maliciosas e descuidadas. Dos que furtam com mão de gato. Além disso, expõe os princípios gerais da dita ciência. Exemplos: como tomando pouco se rouba mais; como os maiores ladrões são os que têm por ofício livrar-nos de outros ladrões; como se podem furtar a El Rei vinte mil cruzados e demandá-lo por outros tantos.
A obra foi, por muito tempo, atribuída ao padre Antônio Vieira (1608-1697), e mais tarde ao jesuíta Manoel da Costa e a Antônio de Sousa Macedo, um dos principais diplomatas de D. João IV. Em sua primeira edição, trazia subtítulos curiosos: "Espelho de enganos", "Teatro das verdades", "Gazua geral dos reinos de Portugal"... Não foi publicada no século XVII, mas somente em 1744. Foi desses livros escritos antes do tempo.

Observação: RONALDO VAINFAS É PROFESSOR TITULAR DE HISTÓRIA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE E AUTOR DE TRAIÇÃO: UM JESUÍTA A SERVIÇO DO BRASIL HOLANDÊS PROCESSADO PELA INQUISIÇÃO (COMPANHIA DAS LETRAS, 2008)
Fonte: Revista da História- Biblioteca Nacional, ano 4, nº 42, março 2009, pag.23.

GLOSSÁRIO

Peculato= é um dos tipos penais próprios de funcionário público contra a administração em geral, isto é, só pode ser praticado por servidor público, embora admita participação de terceiros. Os verbos núcleos do tipo são "apropriar ou desviar" valores, bens móveis, que o funcionário tem posse justamente em razão do cargo/função que exerce.

Apropriação= ato de apropriar ou apropriar-se.
Acomodação, adaptação.

Arrendar= dar ou tomar em arrendamento: arrendar uma propriedade.
Dar forma de renda a, rendilhar.

Donatários= constituíam-se na autoridade máxima dentro da própria capitania, tendo o compromisso de desenvolvê-la com recursos próprios, embora não fosse o seu proprietário.

Malversação= desvio de fundos no exercício de um cargo; dilapidação.


Ordenações Filipinas= são estas Ordenações que constituem a base do direito português até à elaboração dos novos códigos do século XIX, nomeadamente o Código Civil de 1847.

Jesuíta= era padre da Igreja Católica que faziam parte da Companhia de Jesus. Esta ordem religiosa foi fundada em 1534 por Inácio de Loiola. A Companhia de Jesus foi criada logo após a Reforma Protestante (século XVI), como uma forma de barrar o avanço do protestantismo no mundo. Portanto, esta ordem religiosa foi criada no contexto da Contra-Reforma Católica. Os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil no ano de 1549, com a expedição de Tomé de Souza.



REFLETINDO SOBRE O TEXTO


1- Conceitos, posturas e atitudes podem mudar de tempos em tempos. Segundo o historiador e cientista político Raymundo Faoro, explique o que foi Estado Patrimonial:

2- Explique a frase: “Era comum a Coroa arrendar à particulares o direito de cobrar impostos, assim como o direito de explorar produtos monopolizados pelo Estado”:


3- O que era estabelecido no Livro V das Ordenações Filipinas (1603)?

4- Ironicamente, o que relatado no livro A arte de Furtar?


5- Cite alguns subtítulos encontrados nesta obra. Depois, dentro de cada um, cite um acontecimento da história do Brasil que poderia ser classificador:

6- Por muito tempo, a obra em questão foi atribuída a várias personalidades citadas no texto. Explique quem foram eles: